sábado, 8 de março de 2014

Migração

Pessoal, migrei para o endereço http://garciascamila.wordpress.com/

Reaproveitamento de textos daqui e alguns novos estão lá.
=)

domingo, 4 de agosto de 2013

O susto e a dor do amor: breve análise sobre a primeira vez

Nenhum susto é tão grande e tão aterrorizante quanto o primeiro de nossas vidas. É uma coisa lógica que a primeira vez que algo deste tipo aconteça seja também a pior, já que não sabemos pelo que diabos estamos passando. Mas eventualmente o coração desacelera, a respiração volta ao normal, as mãos param de tremer e os olhos voltam a ver normalmente. O susto passa. E a gente esquece.

O mesmo vale para as dores do amor. A primeira vez que a sentimos é devastador. O coração dói tanto que parece estar tentando se rasgar em mil pedaços e tentar se manter em pé e inteira toma tanta energia que por um tempo tudo o que queremos é ficar deitada, escondida do mundo. Somos animal ferido, gato machucado que, quando tem uma ferida, procura esconderijo para lambê-la.

Como acontece quando levamos um susto, o cérebro vai à exaustão tentando compreender o que aconteceu, tentando entender porque, neste caso, um mais um não é igual a dois. E sim, isso é clichê, mas
convenhamos, também o é qualquer fim de amor. E sem entender e já cansada, dói também a cabeça.

A parte mais óbvia e visível de um rompimento são os olhos. O velho ditado "os olhos são a janela da alma" tem mais sentido nessa época da vida, mas eu ouso modificá-lo um pouco. Diria que os olhos são o espelho da alma. Se você está triste, chora. E se chora, irrita os olhos e tranca o nariz. Inchamos a cara e, sem conseguir respirar direito, o coração vai à loucura para tentar fazer com que o pouco oxigênio inspirado seja o suficiente para o corpo... e começa tudo de novo. Dói o coração, dói a cabeça, dói os olhos, e tranca o nariz. Talvez por isso tenhamos a sensação de quase não conseguir respirar sem o amado ao lado.

Mas, eventualmente, isso também passa. A primeira vez que eu senti tudo isso, liguei desesperada para o meu irmão. Não foi a mãe ou a irmã, mulheres que teriam empatia e talvez compartilhassem da minha dor... Foi o irmão, porque eu sabia que precisava de um choque de realidade. E foi o que aconteceu.

— Ah, mana... Eu entendo a tua dor, já a senti também. E embora eu não goste de te ver é assim, não há o que fazer. Uma vez, quando você era pequena, me viu saltando de bicicleta do alto de uma rampa. Você estava de patins e tentou fazer o mesmo. É óbvio que você caiu. E foi feio: ralou os dois joelhos e deixou sangue na pista. Eu fiquei assustado, te levei pra casa no colo e, quando eu cheguei lá, a mãe passou "metiolate" pra limpar. Você gritava... Eu sabia que doía muito mais agora, mas era necessário limpar o ferimento.
Você ia continuar andando, embora com dor por algum tempo, e levando a vida normalmente. Até que um dia o machucado viraria cicatriz pra te lembrar que saltar de uma rampa sem saber o que está fazendo é burrice. E é a mesma coisa agora: eu sei que dói. Mas não mata.

domingo, 7 de julho de 2013

O diálogo que me fez amar Rei Leão

— O que foi isso?! HAHA, o tempo! Muito peculiar, não achas?
— Sim... Parece que os ventos estão mudando.
— Aaah, mudanças são boas!
— Sim, mas não são fáceis. Eu sei o que tenho que fazer, mas voltar significa ter que enfrentar meu passado. E eu estou fugindo dele há tanto tempo...
[batida na cabeça de Simba]

— Ouch! Por quê fez isso?!
— Não importa, tá no passado...
— Sim, mas ainda machuca!
— Ah, sim... o passado pode machucar. Mas do jeito que eu vejo, você pode fugir dele ou aprender com ele.


[nova tentativa de bater na cabeça do Simba]
—  Ahá! Viu só? Então o que você vai fazer?

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Da janela do prédio ao lado

Tão logo acordou, abriu a janela do seu quarto e contemplou a vista para a sacada do prédio ao lado. Ficou surpreso ao perceber que não havia mais cortinas na janela... ainda ontem o apartamento abrigava um velho senhor, cuja idade ele podia apenas deduzir. O Sr. era surdo e, por isso, nunca trocaram mais que uns sorrisos de cumprimento quando, por acaso, seus olhares se cruzavam.

Por pouco mais de uma semana, o apartamento permaneceu vazio e inabitado. Só com as paredes brancas e o assoalho escuro, o lugar parecia triste e frio e nem de longe lembrava o lar com móveis rústicos que um dia houve ali. Foi só na segunda semana que, enfim, uma imobiliária veio colar novos cartazes de "aluga-se" e aquilo o fez se perguntar o que teria acontecido ao velhinho. Ao fim de uma quarta-feira, viajou a trabalho e voltou apenas dois dias depois.

Foi ao bar da esquina, encontrou os amigos e bebeu um pouco. Era um rapaz novo e bem apessoado. Usava barba levemente longa e os cabelos bem curtos, quase careca. Gostava de cuidar de si, mas não trocava a companhia dos amigos em um barzinho por algumas horas na academia. Creditava sua boa aparência ao pai, um negro que mesmo depois de certa idade, permanecia forte, e à mãe, japonesa. Sua genética o tornou magro e resistente e ele estava satisfeito. Na manhã seguinte, como fazia em todas as outras, abriu a janela assim que acordou e teve, então, uma nova surpresa: caixas lotavam a sala do apê ao lado.

No domingo, pouco antes do almoço, enquanto tomava o chimarrão e beliscava os aperitivos na sacada, viu pela primeira vez a mulher que acabara de se mudar. Ela vestia calças largas, de abrigo, e um moletom justinho e desbotado. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo, mas de vez em quando, alguma mexa teimava em cair. Eles pareciam longos e tinham um tom quase avermelhado. Ela era muito bonita e, sozinha, ia de um cômodo a outro, perdida em uma labirinto de papelão.

Por quase uma semana inteira, o rapaz acompanhou a saga da jovem vizinha, até que ela finalmente terminou de organizar os móveis e seus pertences. Ele sabia que tinha uma vista limitada, apenas um enquadramento da vida alheia, mas por algum motivo, sempre que acordava ou sempre que chegava em casa, ia para a janela vê-la.

Viu quando ela, distraída, saiu do banho enrolada na toalha e havia esquecido a janela aberta. Foi meio minuto até que ela cortasse sua vista, fechando as cortinas, mas ele gravou na memória a imagem dos cabelos castanhos-quase-vermelhos molhados, que caíam sobre seus ombros. Gravou a aparência de seu rosto sem nada de maquiagem e achou que as sardas lhe caíam bem.

Em uma das raras sextas-feiras que ficou em casa, viu-a pedir pizza, abrir um vinho (que ele esperava que fosse seco, o seu favorito) e ler um livro. Na noite anterior, ouviu-a brigar pelo celular com o que deduziu ser seu namorado. Ouviu as palavras "nunca mais" ditas com determinação, embora em meio a soluços de choro, e assistiu a todas as fases da superação de término de relacionamento sem nunca ter trocado com ela mais que um sorriso nas raras vezes em que seus olhares se encontraram.

Mudou seus hábitos para vê-la ainda mais. Comprou uma rede e a colocou na sacada, como ela tinha feito já em seu primeiro dia ali e, independentemente do frio que fazia, deitava lá para ler um livro nas tardes de domingo, enrolado em uma manta. Deixou o cabelo crescer um pouco e passou a aparar a barba com mais frequência, embora nunca a tivesse tirado por completo. E, por fim, comprou um tênis de corrida.

Conversou com ela pela primeira vez quando se encontraram na porta de saída dos dois prédios, prontos para correr. Mal sabia ele que, durante todo aquele tempo, ela também havia acompanhado cada passo do exótico vizinho, " um negro com os olhos puxados e de corpo bem torneado", como ela o descrevia às amigas.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Ode aos (a)braços

Não há necessidade nenhuma de que os braços sejam gigantescos. O que realmente importa é que ao olhar para eles, eu consiga me imaginar sendo confortavelmente abraçada. Nem é de suma importância que eles sejam fortíssimos, mas é interessante que sejam resistentes e que aguentem o peso do teu corpo sobre o meu por algum tempo. Tempo suficiente para que eu me sinta segura, além de seduzida.

Não me importa que sua forma seja escultural, desde que mantenha umas leves curvas. E também não me chama a atenção o quão bronzeados eles estão, a não ser que seus braços tragam em si detalhes tatuados. Esse é um extra que conta.

Que sejam agradáveis ao toque, aos olhos e ao olfato. Que me cerquem e protejam, que me seduzam. E que sejam hábeis o suficiente para me "finalizar" em um jiu-jitsu de brincadeira ou para me erguer e firmar contra a parede quando o clima esquentar.


to be continued
(...)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

3 a.m.

Queres provar para todo mundo que é normal, quando na verdade, sua maior vontade é assoviar no ônibus. Então permanece em silêncio. Preocupa-se que este sinal de felicidade não seja nada além de um sinal de loucura. Está com os fones de ouvido e a música no último volume, mas ainda assim, se pergunta se não é estranho o quanto balança a cabeça, em um ritmo que só você consegue ouvir, enquanto está em pé, no meio de um ônibus lotado.

Lembra que por crescer no interior, tinha privilégios como esquecer a janela aberta e, uma vez na cidade grande, teme por sua segurança. Fecha a janela, tranca a porta e esquece a sensação da brisa noturna no rosto, ou no seio nu. Quer cantar com toda a potência dos pulmões, mas teme que os vizinhos te ouçam e se sintam incomodados.

Vê a pilha de livros que gostaria de ler aumentar, enquanto tenta manter o foco naqueles que precisa ler; deixa os filmes e o verão para mais tarde; não vai à praia e não vê o campo, não come a comida que quer e não faz exercícios; quer alguma coisa e não vai atrás.

Quer dormir, mas sente insônia.


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

In memoriam

Quando ele acordou, era uma quinta feira como qualquer outra. De fato, era um dia como qualquer outro. O relógio marcava nove horas, mas para o resto do sul do Brasil, eram 10h. Para não se perder no horário dos remédios, preferiu não adiantar o relógio quando o horário de verão começou, quase três meses antes daquela fatídica quinta.

Então, dando continuidade a sua rotina, esticou o braço, ainda meio dolorido do tombo que havia levado dois dias antes, alcançou o sino que ficava ao lado da cama e tocou-o. Não demorou mais de dois minutos até que Vera, a doméstica/babá da casa, aparecesse para ajudá-lo a levantar. Com 94 anos, seu corpo velho e cansado já não respondia ao cérebro como ele gostaria, e ele havia aprendido a lidar com o fato de que precisava de ajuda física.

Levantou, vestiu-se, dispensou a ajuda de Vera e apoiou-se no andador que tinha em casa. Caminhou até a sala e encontrou a mesa do café da manhã já posta:  café com leite e duas colheres de açúcar, pão de milho e margarina. Comeu, andou até a poltrona que ficava ao lado da janela e ligou a televisão no mudo — não ouvia já há algum tempo, e então havia desistido de tentar escutar a TV.

Passou o dia perdido no silêncio que o aparelho de audição desligado o proporcionou. Observou bem o céu enuviado e buscou na memória as tardes de infância em que brincava e corria livremente. Viu algumas folhas caírem da árvore que ficava em frente a sua janela e reparou bem no sorriso das crianças que brincavam no pátio do condomínio.

Depois do almoço, escovou os dentes e dirigiu-se novamente ao quarto. O sono da tarde já era de praxe. Quando acordou, uma hora e meia depois, lembrou da dor no braço ao se esticar para tocar o sino. Dessa vez, chamou por Tereza — a mulher com quem vivia nos últimos 15 anos e com quem tinha um compromisso feito puramente por carinho e amor. Ela chegou, sentou-se ao seu lado e os dois começaram a conversar.

O tombo que levara dois dias antes também tinha machucado Tereza. E era o machucado de seu rosto que ele agora acariciava. Pediu desculpas, agradeceu todos os anos de parceria e secou uma lágrima de emoção que correu no rosto da amada. Pela última vez.

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