segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

One night stand

No dia seguinte é que foi tenso. Levantei com o lençol enrolado no corpo - instinto de quem é tímido - e caminhei, pé por pé, em direção ao banheiro. Dei-me o direito de demorar. A água que corria pelo corpo parecia levar embora a dor de cabeça e a ressaca. Passei creme nas pernas, sequei o cabelo e me maquiei. Voltei ao quarto, vesti-me com cuidado para não fazer barulho e o acordei.

Não disse nada, mas forcei um sorriso e ele entendeu o recado - Um 'levanta da minha cama' disfarçado de 'bom dia'. Mesmo tentado a curtir uma preguiça, o fato de estar em uma cama alheia o fez levantar rápido. Escondendo-se entre as cobertas, ele achou a cueca jogada no chão e a vestiu.

Tomamos café em silêncio e caminhamos juntos para o trabalho. O silêncio é, muito provavelmente, a pior parte de tudo. Você fica tentando entender o que diabos aconteceu, lembra de uns lances constrangedores, embora bons,  e sabe que ele está fazendo o mesmo. Só não sabe quais são os lances que ele está lembrando.

Chegamos. Para na porta, respira e prepara o sorriso. Entra e age como se nada tivesse acontecido e ele também. Não fosse pela sua amizade de todos os dias e pelo gelo que surgiu 'sem motivos', ninguém jamais perceberia.

Reunião na hora do almoço. Eu, o cliente e ele. Checo os emails esperando ver um 'cancelamento' nos assuntos, mas nada ali te chama a atenção, exceto um spam. Papéis arrumados, roupa alinhada, maquiagem retocada. Passa na mesa do colega, certifica-se de que está tudo bem e partem para a reunião/almoço.

Contrato fechado. Tudo iria bem, não fosse o comentário infeliz do mais novo cliente: "Nossa, vocês dois se entrosam direitinho, hein? Fiquei até sem argumentos pra negar o contrato" diz, bem-humorado. Você até fica vermelha, mas dá graças a deus que está maquiada e nem deve dar de perceber. Acompanha as risadas. Tudo friamente calculado.

No caminho de volta, seu colega comenta contigo o blush instantâneo que surgiu no seu rosto logo após o almoço. "E aí está ele de novo!", brinca. É a primeira vez do dia que você sorri sem pensar. E aí você para, pensa no assunto, sorri de novo e toca o cabelo. "Até que... não foi tão ruim assim", pensa. E disfarça o blush instantâneo que insiste em ressurgir.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Almoço de domingo

Canelas e pés inchados, algumas varises estouradas e muita dor, sorriso na boca e disposição infinita. Geni está preparando o almoço de domingo. A casa está cheia - 20 pessoas, no mínimo - mas ainda faltam mais três ou quatro. "Tudo bem, não tem problema".

No fogão de seis bocas, seis panelas diferentes. Arroz, feijão, macarrão, carne de gado na panela de pressão, polenta e carne de porco. No fogão à lenha, quirera e duas chaleiras esquentando água. Na geladeira, quase sem espaço, um bolo de amendoim "feito assim, no improviso, só porque fiquei sabendo que você vinha", diz ela.

Todo mundo ali, começa a comilança. A mesa, pequena, não tem espaço para todo mundo. Dolly, a cachorra, cheira todos os pés e encara todos os pratos. O sofá, singelo, está lotado, também. Geni não se senta. Faz um sanduíche com pão francês, beterraba e cebola e se delicia. Nunca vi ninguém gostar de alguma coisa assim, mas ela sorri. Os olhos, marcados pelas expressões, buscam atentamente todos os copos, todos pratos, para ter certeza de que tudo está em ordem.

O acúmulo dos pratos ao fim do almoço e o descaso de todas as visitas não a aborrecem. Geni separa, pacientemente, todo o resto de comida e o divide entre Dolly e os cachorros dos vizinhos. Alguém se prontifica a lavar a louça. Outra pessoa começa a secar. As chaleiras de água são esvaziadas. Duas garrafas de café e o bolinho improvisado para 25 pessoas. Todas recebem prato, garfinho e uma xícara de café enquanto as pessoas conversam e combinam o jantar.

A mesa ganha, agora, outra toalha e outro tipo de função. Geni busca o baralho, o caderno e a caneta entonando canções de igreja. A família toda joga, aposta, grita, perde dinheiro. Geni não joga. Só assiste, dá risada. Recolhe a louça, passa a pasta e a lixa no fogão à lenha. Usa bombril no fogão de seis bocas e organiza a casa toda.

16h, mais um cafezinho. 20h, Jeni liga o forno. 21h, o jantar está na mesa. A novela toda se repete: Canelas e pés inchados, algumas varises estouradas e muita dor, sorriso na boca e disposição infinita.

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